domingo, 20 de dezembro de 2015

Santa Dona Teresa.

 Saí de minha cidade natal com 20 ou 21 anos, não sei bem, e vim para uma grande capital de outro estado que não era o meu. Sempre amei essa capital, desde criança lembro que eu sonhava em morar aqui, que eu queria vir para cá. Nem sei porque. Tive uma boa oportunidade de trabalho por aqui,achei um apartamento maneiro para alugar, num lugar de fácil acesso, tinha uma turminha de amigos aqui, era naquela hora ou nunca.
 Ainda bem que vim, o problema foi que nunca mais quis voltar. Depois mudei de trabalho, precisei sair desse apartamento, aluguel estava caro, decidi morar com uma amiga em outro bairro, dividir um sobrado com ela pois sairia mais barato. Não deu certo com a amiga que virou arquiinimiga, quem tem uma grande amiga, não more com ela, não dá certo... Enfim,mudei para outro apartamento, voltei para o centro da cidade, de lá fui para um bairro tradicional, comecei a fazer faculdade, um bairro meio familiar assim, tive que me mudar, voltei para o centro para 2 lugares diferentes, um fui morar com um amigo meu que era cabeleireiro, namorado do meu cabeleireiro da época, mas não deu certo, voltei para o bairro, sei lá, me apeguei nesse bairro por causa da faculdade e amigos, e o boteco da faculdade, hahahahah, era o melhor, enfim, fui morar no quarto da casa de uma senhora, mas ela era um porre, queria controlar meu horário de chegar e sair, o que eu fazia, eu não tinha liberdade, fiquei 4 meses e fui morar na casa de uma outra senhorinha, a Dona Teresa. Era uma casinha, quarto, sala e cozinha nos fundos da casa dela, eu tinha que passar pelo corredor que tinha as janelas e ia lá para o fundo. A luz era um gato da casa dela, na época eu não entendia muito bem essas coisas, luz acendia ou não, tudo certo, tinha mofo nas paredes e algumas goteiras. Quando ela me mostrou a casa tinha certeza que eu ia correr, mas eu olhei e disse, sei lá, energia positiva, vou ficar sozinha, posso pagar sem aperto, ninguém vai ficar me enchendo, rola.
 Mudei na mesma semana pois não aguentava mais ficar na antiga. Levei meu colchão, umas roupas, louças e me fui. Eu tinha tv, bicicleta, cama queen, microondas, mas o meu "amigo" cabeleireiro roubou tudo. Fui viajar e ver minha família, quando voltei ele tinha vendido tudo, a casa estava vazia. ai.
 Mas não liguei, fui trabalhar na loja e compraria tudo de novo e melhor. Acabei ficando 4 anos. No começo eu ficava meio assim, estava tão traumatizada, cansada da humanidade, tinha tomado tantos tombos, que eu desconfiava até da minha sombra. Eu não tinha mais amor dentro de mim. Eu não acreditava mais em nada. Toda vez que a Dona Teresa vinha falar comigo eu pensava, vixe, será que ela vai me encher... Pensava em ficar uns 4 meses, pois ali era muito zoado e depois achar algo melhor. Mas alguma coisa ali me prendia, comecei a gostar dali. Quando ganhei a conta na loja com a recisão eu comprei tv, geladeira, fogão, panelas, arrumei a casa.
 Mudei de emprego algumas vezes, mas não consegui mudar dali. Aquela mulher era uma santa. Eu trabalhava de sábado até a uma da tarde, chegava lá pelas 3 da tarde em casa, sem ter almoçado, ela vinha, filha, você já almoçou? Tem uma comidinha aqui. Era o arroz e feijão mais maravilhoso da face do planeta. Eu levava umas cervejas para nós, sim, ela tomava cerveja, todos os dias 3 latinhas, ela adorava. Eu tomava cerveja na época, levava, comia lá, tomava uma com ela e escutava histórias maravilhosas. Como era bom conversar com ela...
 Às vezes eu chegava de manhã em casa depois das baladas, ela indo para igreja e me dizia, isso minha filha, aproveita a vida, na sua idade eu também era assim.
 Ela sempre cuidou de mim, me tratou bem, nunca me julgou, me adorava e dizia, nem te vejo filha, você sai de manhã e só chega à noite, não me dá trabalho nenhum, vive sua vida. pedi tanto isso a Deus, que viesse alguém bom. E eu que achava ela a melhor coisa do mundo. Ela me deu algo que não sabia que existia, amor incondicional. Como ela era boa, nunca vi maldade naquela mulher, gostava de conversar, não julgava, rezava o terço todos os dias, super divertida, apesar da corcunda, seus cabelos brancos, sua artrite e artrose e não escutar direito. Para ela ouvir eu tinha que quase gritar, a filha dela dizia que tinha dado o aparelho, mas ela não gostava de usar que incomodava,bem coisa dela mesmo. Ela saía com o carrinho de feira todas a manhãs e ia no mercado comprar as coisinhas da comida. Sempre tudo simples, o básico do básico. o cafezinho, o arroz, o feijão, o bife ou ovo, uma torta de liquidificar que amava, um café. era o que tinha na casa dela, mas aquilo tinha um gosto de amor, que até hoje não provei mais nada parecido...
 Conheci meu marido, essa história já contei, cheguei para ela e disse, Dona Teresa, tenho algo para contar para senhora, ela disse, já seeeei minha filha, você vai se casar com ele, não é?
 Falei, sim, ela me disse, eu já sabia minha filha, você é a segunda que vem para minha casa e sai casada. Estou triste pois vou sentir sua falta, mas feliz pois sei que te encaminhei. Você é uma filha para mim e foi uma ótima companhia nesses anos. nunca me deu trabalho e eu sempre pedi a Deus alguém como você para morar aqui minha filha. Vá com Deus e seja muito feliz,não esqueça de mim.
 Fui visitar ela algumas vezes, ela veio ao meu casamento, meu pai a agradeceu chorando por ter cuidado de mim, até então ele nunca se interessou em saber onde eu morava, pois na cabeça dele eu nunca devia ter saído do interior, quando ele a viu desabou, viu o quanto eu tinha uma raiz aqui e se arrependeu disso.
 Uns meses após o casamento engravidei, falei para ela e quando eu estava de 7 meses ela faleceu. Foi um enterro simples, ela era simples, mas com tanto amor e quem estava lá falou o quanto ela me amava e me tinha como filha, que ela dizia que ia embora feliz, pois sabia que tinha cuidado de mim.
 Sinto muito a falta dela, mas quando lembro dela eu sempre abro um sorriso, não choro. Sinto falta,mas lembro dela com muito amor.
 Tenho ela como um anjo que Deus colocou na minha vida para eu voltar a acreditar na humanidade, para me reencontrar e encontrar meu caminho. Voltei a sentir amor no coração que era uma pedra de gelo, ele voltou a bater por causa dessa santa mulher.

2 comentários:

  1. Que lindo! Sinceramente me emocionei, sempre me emociono com este tipo de amor, vc é uma privilegiada em ter recebido isso!

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    1. Sou né? Realmente me faz feliz ter conhecido esse amor. Beijos Elisandra.

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